Segredo dos Mare...

Era anestesiante observar o brilho do Sol na superfície do oceano. Fazia com que meus erros sumissem por alguns instantes, como se de alguma forma eu pudesse ser inocente perante a vida. Fechando os olhos, abaixei a cabeça, então os abri novamente para observar o intenso movimento no centro do reino.
Ainda não sabia o que exatamente, mas algo estava causando um alvoroço, provavelmente alguma notícia incrível havia chegado. Seja lá o que fosse, procuraria escutar, vai que de alguma forma isso pudesse me beneficiar.
Estava cansado de ficar estagnado, precisava me movimentar e colocar em andamento meus planos, apesar de ainda não tê-los definidos exatamente.

Passei cabisbaixo pelos militareis reais, temia que a qualquer momento alguém o visse alguma semelhança que o relacionasse ao próprio pai. Envergonhado pela sua prática de canibalismo, odiaria que isso acontecesse, mesmo que ninguém soubesse desse pequeno segredo. Em um dos pontos da cidades um tritão exclamava de forma entusiasmada, propagando um evento particular que estava prestes a começar, uma espécie de caça ao tesouro com o simples objetivo de encontrar um pedra cinza situada à dezenas de quilômetros da cidade.
Saber que isso ocorreria sem a coordenação do governo, tornava as coisas de certa forma mais perigosas, já que a garantia de segurança estava inteiramente sob a responsabilidade dos próprios participantes. Obviamente isso não me intimidava, aliás... Seria uma ótima oportunidade de encontrar uma companhia solitária. Com isso, me posicionei entre os demais competidores aguardando ansiosamente o sinal de largada, assim que o tritão sinalizou minha cauda se moveu, impulsionando a toda velocidade meu corpo. Precisava seguir rumo ao norte, percorrendo toda aquela imensidão azul.
Durante a corrida procuraria alguma sereia que estivesse sozinha, para me aproximar amigavelmente dela.

Uma oportunidade curiosa surgia aos meus olhos. Não muito distante de mim pude perceber a presença de duas sereias dotadas de beleza singular e elevada, e se minhas suspeitas não estivessem erradas, acreditava que ambas falavam de algo ao meu respeito. Um delas tinha os cabelos ruivos que pareciam um sangue fervente se espalhando pela água, seu olhar ainda mais lindo era imponente e cheio de desconfiança, certamente era independente nos sentidos mais amplos da palavra. A companheira, um pouco menor, tinha os cabelos negros que ondulavam suavemente com o movimento da água, apesar de não transmitir a mesma presença que sua amiga e ser menor de forma a transmitir maior delicadeza, não acreditava por nenhum segundo que fosse menos capaz. Me orgulhava de falar que o povo de Atlanta tinha em seu sangue naturalmente a aptidão para o combate, para a sobrevivência e para a vitória.
Infelizmente o reino que amava passava por uma fase complicada, fruto das ações dos seres da superfície. Não bastavam suas explorações desenfreadas sobre o solo, sua ganância era tamanha que necessitavam percorrer nossas águas e usá-las como bem quisessem. Até o momento aprendera a me conter, contudo, já havia prometido para mim mesmo que um dia mudaria essa realidade.
Por muitos metros o fundo do oceano se estendia com uma vastidão de corais das mais diversas cores, a natureza fazia questão de mostrar sua perfeição com o equilíbrio dos detalhes. Algumas centenas de metros dali, uma poderosa corrente marítima chamava minha atenção, a intensidade e o percurso que realizava não era normal, indicando que algo mágico estava interferindo. Pelo esforço empregado na largada conseguira me manter à frente, por enquanto claro, mas isso deveria mudar muito em breve. Se a trajetória fosse favorável, poderia ganhar terreno facilmente... Isso também me permitiria isolar algum dos competidores.
Reduzi a velocidade de meu nado, de forma a nadar paralelamente com as sereias que mencionara no início. A princípio me expressei de maneira tímida, sem olhar diretamente para elas, porém, em seguida olhei diretamente nos olhos da menor das sereias sorrindo o mais doce possível. Tentaria falar da forma mais agradável e calma possível (Vantagem Voz Encantadora), pois pretendia convencê-la a seguir comigo.
- Desculpa atrapalha-las... Mas notei uma corrente que talvez seja de ajuda - indiquei com a mão onde a mesma se encontrava - Sinceramente, acredito que seja mais seguro percorrer acompanhado nessa corrida... - olhando com mais intensidade para ela, continuei falando - E acredito que você seja confiável, além de uma bela companhia.
Inicialmente tentaria pousar a mão sobre a dela, se sentisse que a sereia demonstrasse algum interesse em aderir à minha ideia, seguraria sua mão e a puxaria tranquilamente para a corrente. Tinha quase certeza que sua amiga não a deixaria sozinha, ainda mais com um estranho, então mesmo que resolvesse nos acompanhar isso não me incomodaria. Meu plano era fugir dos olhares curiosos primeiramente, logo, se não conseguisse atraía-la(s) para a corrente marítima, permaneceria no trajeto preparado pelos organizadores do evento, sempre mantendo uma distância razoável das sereias.

- Pode me chamar de Nick - respondi prontamente quando aquela bela voz indagou meu nome.
A disposição em me acompanhar indicava que minha abordagem havia sido um sucesso, pelo menos sobre uma das sereias. Contudo, a sereia de cabelos vermelhos me olhava de forma desconfiada, certamente podia sentir que minhas palavras não eram totalmente verdadeiras.
Seguimos para a corrente marítima e com certa dificuldade consegui adentrar na mesma, junto de Evani, que tinha as mãos macias e delicadas... Uma beleza que apreciaria da maneira mais apropriada para meu paladar. Um pouco desgastados, decidimos aguardar alguns minutos antes de prosseguir, a força da corrente certamente compensaria essa parada.
- Eu nunca o encontrei antes, por onde esteve? - era uma pena usar alguém tão encantador, infelizmente meu corpo possuía necessidades mais importantes.
- Raramente fico na cidade... Gosto de apreciar a vista natural do oceano, tamanha é a beleza que nos cerca - com o máximo de carinho possível tentaria acariciar o rosto da pequena - Mas se soubesse que algo tão belo estava tão perto esse tempo todo, com certeza teria te procurado anos atrás.
- Preciso falar com você Evani - Lois estava alguns metros atrás e seu rosto não escondia em nada o desgosto pela situação.
Não era apenas uma desconfiança natural, suspeitava que a amiga de minha nova acompanhante podia sentir ciúmes ao vê-la se afastar tão facilmente.
- Pode falar na presença de meu amigo, Lois... - uma certeza absoluta vibrava em suas palavras, a sereia de cabos rubros depositava sua confiança facilmente em minha mãos.
- Você sabe o que irá acontecer se você continuar com isso... - com aqueles cabelos escarlates, a expressão de preocupação era reforçada sobre os olhos da sereia, que rispidamente olhava para o outro lado do oceano.
- Favor, não pense assim - tentando manter minha voz encantadora, observava com simpatia - Garanto que minhas intenções são as mais sinceras, só pretendo terminar a corrida... - olhei de canto para Evani, tentando parecer tímido com o que diria - E apreciar essa companhia tão maravilhosa que encontrei.
- Ele nos ajudou! - aparentemente irritada com a atitude da amiga, me segurava pela mão, puxando um pouco para longe, o suficiente para nos dar alguma privacidade dos ouvidos de Lois.
- Ah, você foi muito perspicaz em descobrir aquela correnteza. Estávamos distraídas olhando para a cicatriz em suas costas, o que aconteceu com você? - apesar de delicada, a sereia demonstrava uma curiosidade digna de uma guerreira de Atlanta.
Não queria criar muitas mentiras, isso dificultava em demonstrar sinceridade, por isso precisava ser esperto o suficiente para usar as palavras da melhor maneira possível.
- Eu... Eu sofri um acidente quando criança - minha face se desmanchou em tristeza, realmente doía falar disso, afinal perdera meu amigo por causa daquilo - Junto com meu melhor amigo brincávamos perto de uma caverna... Quando algumas pedras desmoronaram e me atingiram nas costas - instintivamente coloquei uma das mãos sobre as costas, sentindo a pele áspera onde cicatrizara - Conseguir sair apenas com essa cicatriz, entretanto, meu amigo morreu...
Virei-me subitamente tentando demonstrar um incômodo que sentia com a história, como se fosse pessoal demais para ser dito.
- Desculpa... É difícil falar sobre isso - olhei novamente para ela, numa tentativa de disfarçar a tristeza com um sorriso - Apesar de ser algo que considero muito pessoal... Se quiser, posso levá-la até essa caverna depois da corrida. Mesmo que seja um lugar com uma história triste, ainda é muito lindo.
Se Evani sentisse verdadeira comoção com a história contada, colocaria as mãos sobre suas bochechas, olhando-a ternamente.
- Não deixe sua amiga afastada assim, ela só está preocupada contigo e com razão - sorrindo educadamente, começaria a puxá-la - Vamos terminar a corrida. Certo?
Caso ela não acreditasse, tentaria dar mais foco em simplesmente terminarmos a corrida, aguardando outra oportunidade para me aproximar.

Apreciava ver as emoções de Evani aflorando em sua face, no princípio minhas intenções se concentravam somente em "apreciá-la", contudo, suas palavras sobre a existência de um local carregado de tesouros e uma expedição financiada por sua família me permitiriam ter acesso a riquezas convenientes para qualquer um... Mesmos os mais humildes.
- Me conte sobre você... Eu me sinto um pouco solitária, não sei nada de você. Onde nasceu? Seus pais. - seus dedos envolveram minha mão enquanto nadavámos, aqueles questionamentos me levavam para um ponto que odiaria mencionar.
- Não tenho certeza para ser sincero, acho que o acidente de alguma forma afetou minhas memórias - olhei para cima, tentando demonstrar um esforço em lembrar sobre o que perguntava - Me lembro do acidente perfeitamente, mas qualquer coisa anterior a isso fica nebuloso, imagino que tenha nascido em Atlanta mesmo, onde exatamente não faço ideia. Quando vim para cidade ninguém me reconheceu então suponho desde então que era órfao... Isso me faz pensar que sempre fui solitário - ainda segurando sua mão, passei seu braço em volta de si, formando uma espécie de abraço para nos aproximarmos - Talvez possamos resolver essa solidão um do outro... Adoraria construir novas lembranças contigo, tenho certeza que todas serão perfeitas assim.
Percorremos mais um pouco até que Evani pediu que parássemos.
- Nick podemos parar um pouco? Já conseguimos uma boa vantagem, e estou com fome... - vendo que sua amiga consentia com a ideia vi a oportunidade que buscava.
Todos estavam com fome e com certeza não planejava adiar mais minha refeição, faltava muito para concluirmos a corrida, logo precisaríamos de toda energia disponível.
- Sem problemas Evani, vejo que está um pouco abatida... Realmente precisamos estar bem para chegarmos ao fim - olhei sorrindo para Lois, tentando parecer receptivo - Evani, favor, fiquei aqui descansando enquanto eu e Lois procuramos algo para comermos. Vejo nesses olhos uma sereia muito habilidosa, tenho certeza que vamos arranjar algo realmente saboroso - aproximei de minha pequena e sussurrei para ela - Quero aproveitar para ver se consigo a aprovação dela, não quero ficar parecendo um obstáculo na amizade de vocês - sorrindo para ela, beijei suavemente sua bochecha.
Esperaria pela aprovação de ambas pela minha ideia, caso não consentissem procuraria por comida mesmo assim.

Queria me manter frio e focado em meus objetivos iniciais, mas as reações da pequena Evani estavam de certa forma me encantando. Mesmo que ignorado por Lois apreciei ver que ambas haviam consentido com minha ideia, a sereia de cabelos escuros permaneceu nos aguardando enquanto eu avançava mais adiante junto de sua amiga. Percorremos algumas dezenas de metros até eu conseguir nadar lado a lado da sereia ruiva, que mantinha sua atitude tenaz em relação a minha pessoa.
- Afaste de Evani, nada de bom pode vir disso - suas palavras batiam como um martelo de julgamento, determinada em manter a melhor amiga longe de qualquer perigo possível.
Observando com mais cautela percebia o quanto a filha de Atlanta tinha um corpo flexível e ágil, transmitindo claramente para qualquer um os riscos de desafiá-la para um confronto direto. Precisava me manter sutil, evitando transparecer minhas intenções sombrias, aquele não era o momento de dar o bote.
- Infelizmente, LOIS, tenho uma forte tendência em ser teimoso - encarava de forma maliciosa, sorrindo determinado e levemente perverso - Pode levar um tempo, mas uma hora chegamos em nossos objetivos. E o meu está muito perto...
Sinalizando com a mão esquerda pediu que parássemos, nadando imediatamente para baixo se escondendo atrás de uma pequena rocha para observar um cardume de peixes, alimento fácil e perto. Lois começou a falar sobre a melhor maneira de pegar um deles, fazendo comparações de até com crianças, não tinha certeza se aquilo era uma ofensa indireta ou um conselho.
- Relaxa ruiva, se é tão fácil ambos vamos sair fartos daqui. Certo? - rindo saí de trás da rocha.
Antes de avançar dei uma olhada no terreno em volta, procurando qualquer coisa que poderia usar como arma. Feito isso impulsionei com força minha cauda para ganhar velocidade, tentando apanhar um peixe com a boca e outros dois com cada mão.